Nações indígenas: entre a extinção e a negligência


Reportagem de Gabriel Nogueira, jornalista da Agência Estado, AE


Foto: Clayton F. Lino/AE

Uma placa indicativa da Fundação Nacional do Índio, FUNAI, informa onde começa a área ianomami Ajuricaba, localizada no Rio Demene, o limite sul do território desta nação indígena, que se estende ao norte até a Venezuela e a nordeste até Roraima. Na placa está amarrado o barco "5 de Maio", carregado de tartarugas e cachaça. A bordo, José Campos espera a chegada dos índios para trocar mais tartarugas pela bebida, a exemplo do que fez com os caboclos ribeirinhos ao longo do rio.

José Campos estaria sujeito a prisão inafiançável se o IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) tivesse fiscais para dar o flagrante e a FUNAI contasse com mais pessoal de apoio. Em todo o estado do Amazonas são 30 fiscais do IBAMA, a maioria no escritório da sede estadual, em Manaus. Na FUNAI, são apenas 4 homens para cuidar de cerca de 2 mil índios que habitam as imediações do Demene.

Os ianomamis são a última nação indígena da região do Demene com escasso contato com o homem branco. O grupo conseguiu sobreviver relativamente afastado por seus hábitos nômades e por ocupar uma área muito distante da cidade, rio acima. As outras tribos do Demene - como os bahuana, cheriana e baniwa da nação Arauaca, foram dizimados pela escravidão e por doenças como pneumonia e sarampo, trazidas pela "civilização" branca.

"A criação de florestas nacionais em torno das reservas indígenas seria uma das alternativas para evitar o contato danoso com o homem branco. Estas florestas funcionariam como amortecedores, dificultando o acesso", observa Evaristo Eduardo de Miranda, coordenador da Expedição Demene. Com a classificação dos sistemas ecológicos e humanos da região - previstos no exemplo de zoneamento do Núcleo de Monitoramento Ambiental, CNPM - se terá um diagnóstico sobre a influência da atual ocupação branca na a preservação ou destruição dessas nações indígenas.

Em alguns casos, o diagnóstico nem é necessário. Dos arauacas, por exemplo, resta apenas uma sobrevivente, de 85 anos e muito doente. Ela ainda fala a "gíria"(dialeto) de sua tribo, a bahuana. Seus filhos e netos já são mestiços aculturados e não entendem essa gíria. O linguista francês Henri Ramirez trabalha contra o tempo, para incluir o bahuana numa gramática de dialetos indígenas em vias de desaparecer.

Na área ianomami, a ameaça é bem diferente: garimpeiros vindos de Roraima e Rondônia já fizeram várias prospecções, em busca de ouro. Eles vêm pela Perimetral Norte ( ou o trecho da perimetral efetivamente aberto) e pelo Catrimani, um afluente do rio Branco. Os garimpeiros chegaram a montar maquinário na cachoeira do Pacuri, distante três horas a pé do posto Ajuricaba. Mas não encontraram nada e foram embora, informa o "tuxaua" (chefe político dos ianomamis) Iton.


Foto: Rodrigo L. Mesquita/AE

Para entrar nas terras dos índios, os garimpeiros distribuem fumo de rolo e muita cachaça, conta o guia da Expedição Demene, Martinho Cordeiro Marinho, um índio tucano aculturado, que se apresenta como caboclo, devido à discriminação existente em Barcelos, onde trabalha como prático autônomo. O prático é um guia com experiência em determinados trechos dos rios amazônicos, que conduz os barcos e recebe por jornada.

Martinho já conduziu os barcos de algumas das expedições de prospecção mineral e diz que o número de garimpeiros aumentou, depois da criação da reserva ianomami de Roraima e expulsão dos garimpeiros de lá. Apesar das buscas, Evaristo Miranda, da Expedição Demene, acha difícil a ocorrência de ouro na bacia do Demene, "porque é uma formação sedimentar, geologicamente recente. Se encontrarem alguma coisa será com baixo teor e difícil garimpagem", observa o pesquisador.