Bahuana



Foto: Luiz Prado/AE

"Eu falo e eles não compreendem a minha gíria. Meu velho, que morreu no ano passado, era o único que me compreendia. Agora só falta chegar a minha vez", diz a última dos bahuana, Claudina de Souza Soares, 85 anos. Nenhum dos seus três filhos se interessou em aprender a "gíria" dos pais e todos se converteram à religião evangélica, casando-se com mulheres brancas e caboclas. Seus netos já estão completamente integrados à sociedade branca e um deles, Virgílio de Souza Soares, é vereador em Barcelos.

Os bahuana são uma tribo da nação Arauaca (Aruac) à qual pertencem também os terena, de Mato Grosso; os uapixana, de Roraima; os baniwa, do Alto Rio Negro (Amazonas) e os ipurinan, do Rio Purus (Amazonas). Só no rio Negro, os arauacas dividiam-se em seis grupos, bastante numerosos. Quando da Fundação da capitania de São José do Rio Negro, em 1755 (que depois passou a se chamar Barcelos) uma missão carmelita instalou-se no local onde havia uma maloca da tribo mariuá, também da nação arauaca. Muitos indígenas foram capturados para servir de mão-de-obra escrava, devido ao alto preço dos escravos africanos, na região, naquela época. Com o fim da escravidão, essas populações passaram a ser utilizadas na extrção de borracha de seringueira. Segundo Henri Ramirez, da Universidade de Ex-Marseille, da França, entre 1914 e 1933, quando exploradores ainda encontravam arauacas sem contato com o branco, surtos de doenças como o sarampo dizimaram todos os grupos das imediações do rio Demene. Ramirez está na região reunindo dados para uma gramática de línguas indígenas em vias de estinção.

Claudina e o marido, quando crianças, viviam na missão religiosa de Samaúma, dos samaritanos. Com oito anos, ela perdeu toda a família. "Não tinha remédio para curar minha gente e todos morreram", ainda lembra. A "gíria" falada por Claudina é muito diferente das outras da mesma nação, diz o lingüista Ramirez. "Essa língua tem cinco vogais. Não tem o "o" do português, mas tem uma outra vogal quase impronunciável. Os pronomes pessoais são iguais aos possessivos", conta. Ao invés de falar "eu vi meu irmão", o bahuana falava "meu ver meu irmão", exemplifica o lingüista. Ele aponta ainda uma curiosidade: "foa", uma das consoantes bahuana, soa da mesma forma que a consoante japonesa "fu".

Conforme o antropólogo Darcy Ribeiro, em seu livro "Os índios e a civilização", os arauacas possuíam uma das culturas mais elaboradas da floresta tropical. Desenvolviam trabalhos de tecelagem, cerâmica, construção de canoas e agricultura de alto nível. Eles exerceram forte influência sobre outras nações, chegando a "arauquisar" muitas delas.