IBAMA erra ao restringir o palmito de jauari


Reportagem Liana John, jornalista da Agência Estado, AE


Foto: Luiz Prado/AE

Na última Expedição Demene, realizada em janeiro de 1993, os pesquisadores surpreenderam-se com o fechamento da fábrica de palmito, na cidade de Barcelos. Para eles, o fechamento se tornou o melhor exemplo de como a ausência de zoneamento pode ter impacto negativo sobre o ambiente.

Depois de 7 anos de funcionamento, a fábrica foi fechada por determinação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, IBAMA, com o intuito de proteger os palmitais de predação excessiva. Trinta funcionários foram demitidos e cerca de 20 palmiteiros autônomos, dispensados. Boa parte desses homens foi então trabalhar num garimpo de ouro, em Caborixo, no município vizinho de Santa Isabel, às margens do rio Negro.

A primeira vista parece que eles apenas trocaram uma atividade extrativa por outra. Mas aos olhos dos especialistas, as atividades são muito diferentes e a opção atual - manter a fábrica fechada e o garimpo funcionando - tem impacto muito maior sobre o meio ambiente. Ou seja, ao invés da desejada proteção, uma ação do IBAMA indiretamente causou impacto ambiental muito maior.

O ouro é garimpado nos barrancos e leitos dos rios, com jatos d'água e dragas. Os garimpeiros destroem os leitos e margens dos rios, provocando assoreamento, além da contaminação com o mercúrio. Já a extração de palmito contribui para o desmatamento, mas somente se exceder a capacidade natural de recuperação dos palmitais, o que ainda está longe de ocorrer em Barcelos.

Até ser fechada, em novembro de 1991, a Jauari Agro Industrial Ltda, do grupo Machline, produzia 70 mil latas de palmito por ano, informou o chefe da fábrica, Antonio Albertino Neto. O palmito lá extraído é de jauari, uma palmeira cheia de espinhos que cresce em abundância nas ilhas e igapós dos rios Negro e Demene. Sua extração é feita apenas nos meses de cheia, quando os palmiteiros entram nas ilhas de canoa e cortam as árvores com água pelo meio do tronco. Durante os meses de vazante, o acesso é dificultado pelos espinhos e animais peçonhentos. Cada palmiteiro corta de 80 a 150 palmitos por dia.

"O próprio sistema de corte limita a extração de palmito aos meses de cheia. Além disso, o controle de qualidade da fábrica - que só compra palmito de um certo tamanho - também regula o corte. Com base nesse sistema e na análise que fizemos das áreas de ocorrência dos palmitais pelas imagens de satélite da região, calculamos que Barcelos poderia ter até dez fábricas iguais à Jauari, sem produzir impacto ambiental significativo", explica Evaristo Eduardo de Miranda, coordenador científico da Expedição Demene.

De acordo com os resultados obtidos pelos pesquisadores, a extração do palmito é uma das melhores alternativas de desenvolvimento sustentável para a população local. A extração do jauari (Astrocaryum jauary) tem vantagens sobre a extração de outras espécies de palmito como o açaí (Euterpe oleracea), típico do Pará, e o juçara (Euterpe edulis), nativo da Mata Atlântica. O jauari leva 4 a 5 anos para crescer e perfilha muito, isto é, cada planta matriz produz de 5 a 6 novos brotos ou "filhotes", enquanto os outros levam no mínimo 7 anos para atingir o ponto de corte e dependem da reprodução por semente. O jauari ainda tem a vantagem de também se espalhar por semente na cheia do rio: cada palmeira produz cerca de 200 sementes, levadas pela correnteza e consumidas por peixes como o surubim, a pirarara e o filhote. Através das sementes, o jauari coloniza solos pobres, de areia, em ilhas ou margens de rios de água preta. "São áreas que não servem para a agricultura e, por isso mesmo, de vocação extrativista", acrescenta Miranda.

Alheio a tais particularidades - e na ausência de um zoneamento feito pelo governo para subsidiar suas ações - o IBAMA fechou a fábrica de palmito, alegando que ela promovia destruição ambiental. Questionada pela reportagem da Agência Estado, AE, a superintendência do IBAMA em Manaus não soube explicar que tipo de destruição. A única base legal identificada pela reportagem seria a portaria do próprio IBAMA, de número 439, de agosto de 1989, que obriga as empresas exploradoras de palmito nativo a plantar o mesmo número de exemplares extraídos. Uma portaria feita para regular o corte de palmitos açaí e juçara, mas que não se aplica ao caso do jauari, devido às perticularidades dessa planta.

Não se conhece, na região, quem replante jauari nas matas das ilhas ou faça cultivos racionais. Sobretudo porque a palmeira é naturalmente abundante e prolífera. Ao invés de proceder ao fechamento puro de simples da fábrica, o IBAMA deveria propor um plano racional de manejo dos estoques naturais de jauari, transformando Barcelos num exemplo concreto de desenvolvimento sustentável e voltando a atrair os palmiteiros "desviados" para o garimpo por falta de opção de trabalho.