Vida de piabeiro: canoa, rapixé e cachaça


Reportagem de Gabriel Nogueira, jornalista da Agência Estado, AE


Foto: Luiz Prado/AE

Quando "ecologistas de butique" compram peixes ornamentais da Amazônia para enfeitar aquários na Alemanha, Holanda, Estados Unidos e Japão, nem suspeitam dos caminhos percorridos pelos peixes até as lojas de revenda no exterior, observa o geólogo Fábio Bonfá, da Universidade Paulista, UNIP. No início desta cadeia está o piabeiro, denominação dada aos pescadores artesanais. São eles que fazem todo o trabalho e, na maioria das vezes, nem ganham o essencial para sobreviver.

Francisco de Assis Bittencourt é um piabeiro. Mora em um barco de cinco metros de comprimento com o irmão, um amigo e a família deste: mulher e três filhos pequenos. A equipe da Agência Estado, AE, saiu com Francisco para uma de suas pescarias. O ponto de partida foi Barcelos, o principal porto de comercialização de peixes ornamentais do estado do Amazonas. O grupo utilizou voadeiras, lanchas de fundo chato, para apressar a viagem. Pouco depois de entrar no igarapé Coaibi, estreito e cheio de obstáculos, o motor foi desligado e as distâncias percorridas a remo. Até chegar ao local da pesca foram necessárias quase quatro horas.

Num dia comum, sem repórteres, é preciso sair de madrugada do barco-moradia, em pequenas canoas, para chegar ao local da pesca antes das sete horas e retornar até as 14 horas, conta Francisco. Quando isso não é possível, os piabeiros passam a noite em pequenas palafitas montadas nas águas rasas dos igarapés. "Os patrões não compram nosso produto. Dão apenas uma gratificação", pondera o pescador. Nos dias "bons" são capturados de cinco a dez mil peixes com pequenas redes, os rapixés. Para isso, o piabeiro passa grande parte do tempo com água até os joelhos, os pés enroscando em galhos e plantas, tentando evitar as arraias (peixes com ferrão na base da cauda. Quando pisado provoca uma ferida muito dolorosa).


Foto: Rodrigo L. Mesquita/AE

Normalmente, os piabeiros entregam sua produção semanal a um "patrão" em troca de gêneros alimentícios, a preços duas ou três vezes mais altos do que nos mercados urbanos. Os "patrões" são os primeiros intermediários. Depois vêm os diversos transportadores, os exportadores e lojistas, que dividem entre si a maior percentagem da receita. "O grosso, o "patrão" paga em cachaça", conta Francisco. Também nesta atividade, como nas outras alternativas extrativistas da região, a cachaça é um dos mais importantes elementos de troca. Por ela os extrativistas perdem a noção do valor de seus produtos e se perdem em eternas dívidas.