A alternativa dos peixes ornamentais


Reportagem de Gabriel Nogueira, jornalista da Agência Estado, AE


Foto: Rodrigo L. Mesquita/AE

Alguns dos mais famosos peixes ornamentais do mundo - como os acarás disco e bandeira - são originários da Amazônia. Mas normalmente são importados da Malásia, Cingapura e Hong Kong. Como ocorreu com a árvore da borracha, a seringueira, peixes ornamentais criados em cativeiro na Ásia estão destruindo a pesca artesanal da Amazônia.

No século passado, centenas de mudas de seringueira foram levadas ilegalmente para a Ásia e as plantações comerciais - feitas em países livres das pragas e fungos da floresta original - destruiram a economia extrativista da borracha no Brasil. O volume de vendas de peixes ornamentais amazônicos não chega aos pés do mercado da borracha, nos tempos áureos, mas poderia ser uma alternativa ecologicamente viável, se feita de forma racional. Isso, caso haja tempo. Antes de ser racionalizada, é possível que a captura de peixes ornamentais venha a ser aniquilada pelas criações de cativeiro.

O principal sintoma de aniquilamento é o alto nível de desperdício: mais da metade dos peixes capturados morrem entre os igarapés de origem e os portos de exportação. O sistema de preços é outro sintoma: com a concorrência dos peixes de cativeiro e com cerca de sete intermediários entre o pescador e o exportador, os peixes valem, nas lojas, dez vezes mais do que rendem ao pescador. Isso resulta em um alto grau de predação e baixa remuneração do extrativista, que hoje vive na semi-escravidão.

E não é só o pescador da região de origem quem perde. O país também. A exportação de peixes ornamentais da Amazônia (90% dos quais embarcados em Manaus) é da ordem de 14 milhões de unidades por ano e apenas rende algo em torno de um milhão de dólares. Somente Cingapura - há menos de 20 anos neste mercado - exporta 65 milhões de dólares/ano, grande parte de espécies originárias da Amazônia, segundo informa o presidente da Associação de Exportadores de Peixes Ornamentais do Estado do Amazonas, Daniel Rejman.

"Na Ásia há incentivo à atividade e são feitas pesquisas para a criação de espécies em cativeiro. Hoje, no Brasil, esse comércio só dá lucro devido ao baixo preço de compra", admite Rejman. Algumas espécies, como o raro e caro acará disco (Symphysodon spp), só têm mercado no exterior como reprodutores. O cruzamento de peixes de cativeiro com reprodutores da região de origem serve como renovação genética, para evitar a consanguinidade excessiva. Só que o reprodutor é pago como um peixe qualquer e não tem agregado o valor genético.


Foto: Rodrigo L. Mesquita/AE

A pesca artesanal de ornamentais mantém um contingente de dez mil pessoas, na região do rio Demene. A área de atuação desse grupo se concentra num raio de 400 quilômetros em torno de Barcelos. Segundo os pesquisadores da Expedição Demene, a profissionalização dessa pesca seria uma das alternativas para tornar a atividade econômica e ecologicamente viável. A reunião dos pescadores em torno de cooperativas - para eliminar a intermediação excessiva - seria o primeiro passo. Depois viria a introdução de técnicas de criação em cativeiro ou semi cativeiro para a exportação de filhotes geneticamente melhorados, com menos desperdício de matrizes por problemas de transporte e maior rentabilidade por unidade capturada.

Tais medidas poderiam evitar a atual superexploração, que traz riscos de extinção de espécies. O exemplo do cardinal (Paracheirodon axelrodi) é típico. Como ainda não é produzido em escala pelos aquaristas asiáticos, o cardinal é muito procurado, porém tem baixo peso econômico. A espécie representa quase 80% das unidades exportadas, mas isso corresponde a menos de 20% do total em dólares. Conforme Jansen Zuanon, do Instituto de Nacional de Pesquisas da Amazônia, INPA, já há evidências de diminuição da presença do cardinal nos igarapés de origem, sobretudo no baixo rio Negro.