Madeiras: as motosserras sobem o rio


Reportagem de Liana John, jornalista da Agência Estado, AE


Foto: Rodrigo L. Mesquita

Na cidade de Barcelos, na boca do rio Demene, existem duas serrarias que processam cerca de 20 e 40 metros cúbicos de madeira por semana. Ali se trabalha com duas espécies de louro - preto e mamuí - que vêm das ilhas do rio Negro em toras. A madeira é cortada em tábuas e serve para a construção de casas ou para o acabamento de barcos, construídos num estaleiro vizinho. O estaleiro usa outra madeira, a itaúba, para fazer o casco dos barcos. A itaúba é tirada de terra firme e segue direto para o estaleiro, sem passar pelas serrarias.

Embora o consumo de madeira não seja alto na cidade de Barcelos, os estoques naturais de louro demonstram sinais de exaustão. Os madeireiros que há alguns anos só atravessavam o rio para cortar essas espécies, agora tem de viajar 5 a 6 dias para encontrar árvores com porte suficiente para cortar. José Almir, um dos madeireiros mais antigos, chegou em Barcelos há vinte anos, vindo de Coari, no Solimões. Agora ele é o encarregado da serraria do "Rosa Baiano", e faz tábuas.

Segundo Almir, cada homem hoje ainda tira das matas de 50 a 60 toras por semana, "trabalhando dia e noite, mas precisa ir cada vez mais longe". Os madeireiros trabalham por sua própria conta e risco e recebem mil cruzeiros por metro cúbico de madeira. Convertido em cerca de 9 tábuas, cada metro cúbico vai render à serraria 3 mil cruzeiros.

Pedro Rodrigues do Nascimento, outro madeireiro da cidade, dedica-se a essa atividade há 5 anos e derruba de 20 a 30 árvores por semana. Ele trabalha com colegas que tenham barco, com os quais faz algumas viagens para encontrar e cortar a madeira. As toras são deixadas no local e eles retornam para negociar a venda e então fazem nova viagem para levar a madeira até as serrarias.

Nascimento fez uma primeira viagem, em 1991, para ver se encontrava madeira no rio Demene, porque o louro das ilhas do Negro está escasseando "Árvore é como pé de roça, se não replantar acaba", diz. Apesar da filosofia, ele mesmo nunca plantou um pé de madeira de lei, limitando-se a buscar as toras sempre mais longe. "Agora tem um patrão aqui que vai tirar madeira pra mandar pra Manaus, vai tirar samaúma, virola e mungubarana", conta.


Samaúma - Foto: Cristina Mattos/Embrapa Monitoramento por Satélite

As três espécies não ocorrem no Negro, mas existem nas margens do rio Demene. Estão sendo procuradas por fábricas de compensados, que pagam ao dono de uma balsa, Raimundo Sussuarana, para rebocar as toras até Manaus, a 430 quilômetros de distância. Outra madeira do Demene, a saboarana, também começa a entrar nas serrarias de Barcelos, sobretudo para a fabricação de móveis, batentes de porta e janelas.

Com o zoneamento econômico-ecológico do Demene será possível determinar, por exemplo, a capacidade de suporte das matas para essa atividade, que só agora começa a subir o rio. A extração seletiva de madeiras não ameaça propriamente o meio, como os desmatamentos para plantio da fronteira agrícola, mas ameaça as espécies mais procuradas.

As saboaranas, por exemplo, existem em grandes quantidades nas matas de igapó do Demene. "Isso parece indicar que a espécie suportaria a retirada contínua, por muitos anos, mas não: como são árvores pequenas é preciso retirar muitas para fabricar os móveis e como são fáceis de retirar, elas podem se esgotar muito rapidamente", comenta Evaristo Eduardo de Miranda, coordenador da Expedição Demene. "As saboaranas, vale lembrar, cumprem uma função ecológica importante porque se fixam na beira d`água, reduzindo a ação erosiva do rio".

"Já as samaúmas são árvores enormes, estão entre as maiores da Amazônia, e ocorrem numa estreita faixa de terra firme nas margens do rio. Ainda que se retirem poucas haverá mais estragos no ambiente, além de ser mais difícil mesmo, pelo porte", continua o pesquisador. Os madeireiros confirmam: "as samaúmas a gente corta no verão, quando é seco, e só volta para transportar no inverno, quando o rio enche", esclarece Nascimento. "E precisa encher bem, porque se a água bater só no peito não dá pra puxar a tora".