Mandioca pode reduzir exaustão de recursos naturais


Reportagem de Gabriel Nogueira, jornalista da Agência Estado, AE

Os brancos aprenderam com os índios os rudimentos da cultura de mandioca e da fabricação de farinha, principal agente econômico e de agregação social das populações da área preservada do rio Demene. Mas o esvaziamento da atividade na região de Barcelos, devido aos baixos níveis de produção e queda de preços, vem provocando o aumento da caça e pesca predatórias e do desmatamento. O principal produto de troca dos ribeirinhos por gêneros alimentícios nos regatões (barcos-mercearias) e em cidades como Barcelos ainda é a farinha de mandioca, mas não por muito tempo, se persistir a atual tendência de declínio.

Ao longo dos cerca de 500 quilômetros do rio Demene moram 31 famílias com 180 pessoas, entre as quais estão 44 índios baniua praticamente aculturados. Mais 72 índios ianomami ocupam o posto Ajuricaba. É uma densidade populacional baixíssima, porém suficiente para explorar fauna e flora no limite da sustentabilidade, segundo Evaristo Eduardo de Miranda, coordenador da Expedição Demene. "Os agentes externos representam ameaça de colapso dos recursos naturais", acrescenta. "Os solos muito pobres não comportam uma exploração agrícola ou extrativista mais extensa". Por isso, a racionalização da fabricação de farinha de mandioca, aliada à introdução da suinocultura, podem desempenhar um papel importante na sobrevivência mais digna da população instalada. Com a subsistência garantida, seria maior a chance de reverter a tendência de exploração comercial dos recursos naturais escassos.

Para os pesquisadores da expedição, o extrativismo vegetal de piaçava e sorva, por exemplo, não é alternativa econômica suficiente para afastar os ribeirinhos da caça e pesca predatórios e da extração da madeira. Já a melhora da produtividade da mandioca poderia diminuir a pressão extrativista. "A produção da região, de seis toneladas de raiz de mandioca e duas toneladas de farinha por hectare plantado, está dentro da média brasileira, que é baixa", explica Renato Cabral, do Núcleo de Monitoramento Ambiental, CNPM. "Mas nenhuma família do Demene planta mais do que um hectare e isso poderia aumentar".

A produção de cada roça é revertida ao grupo familiar, embora todo o trabalho de preparação de terra, colheita e beneficiamento seja realizado comunitariamente. Assim, a mandioca funciona na agregação social, além de ser o único produto agrícola de troca. Outros 48 produtos plantados, sobretudo frutas, servem apenas para subsistência.

Uma vez colhida e transformada em farinha, a mandioca é embalada em cestos, viaja um a dois dias de canoa - a remo ou com motor de menos de 5 hp - para chegar ao mercado de Barcelos. Na beira do rio, os regatões pagam um preço muito baixo pelo "paneiro", cesta de palha usada como recipiente e medida de peso da farinha. "Aqui a gente trabalha demais e quase não sobra nada além da comida", diz Pedro Cardoso, 44 anos, morador de Pai Raimundo, o povoado mais próximo de Barcelos. Sem filhos, Pedro trabalha na roça em companhia da mulher, Maria Florinda, de 67 anos. Já foi piaçabeiro e já tirou sorva - goma natural usada na fabricação de chicletes - mas o preço instável desses produtos e o sistema de semi-escravidão o fez desistir do extrativismo.

O perfil dos habitantes do Demene é parecido com o de Pedro. Muitos já trabalharam como extrativistas e desistiram. A agricultura não é muito melhor, mas pelo menos estão livres e na própria terra. Nos povoados mais antigos e localizados mais próximos dos índios ianomami ainda é possível conciliar algum extrativismo com a agricultura, pois naquelas florestas há castanheiras. Mas a população dos povoados do baixo Demene (Foto) estão bastante influenciadas pelos valores da cidade e a tendência futura é de migração, caso não ocorra uma intervenção no sentido de valorizar o produto agrícola de que dispõem. Além de servir para a fabricação de farinha, acreditam os pesquisadores, a mandioca poderia sustentar pequenas criações de porcos, cuja carne substituiria a caça e eventualmente se tornaria outro produto de troca para melhorar a economia dos ribeirinhos.

Para aumentar a produção de cada família, entretanto, seria preciso combater os principais problemas das plantações. "A saúva é o maior problema", destaca Francisco Miguel, líder da comunidade de Pai Raimundo. "Os veados e pacas também destroem a mandioca". Mudas melhoradas, insumos e tecnologias simples - como a de construção de cercas contra os "invasores" da mata - seriam medidas de baixo custo e alto resultado contra tais problemas. "E teriam efeitos sobre a economia dos ribeirinhos, ajudando a restaurar o equilíbrio entre consumo e reposição dos recursos naturais", conclui Evaristo Miranda.