Estaleiros, a caminho da extinção


Reportagem de Gabriel Nogueira, jornalista da Agência Estado, AE


Foto: Luiz Prado/AE

A ocupação sem planejamento de Novo Airão - município de 21,7 mil habitantes, localizado na margem direita do rio Negro - ameaça sua maior riqueza natural: a itaúba (Mezilaurus itauba), árvore usada na fabricação de embarcações. Os 22 estaleiros de Novo Airão são considerados os melhores da Amazônia, geram os mais bem pagos empregos da cidade e produzem cerca de 50 barcos de médio e grande porte por ano. Para os padrões amazônicos, são um sucesso econômico, mas não são sustentáveis.

A principal matéria prima e razão de tal sucesso é a itaúba, antes encontrada em abundância nas matas vizinhas à cidade e agora cada vez mais escassa. No casco de uma embarcação de 20 metros, por exemplo, são utilizadas em média 30 árvores, que os madeireiros buscam mais e mais longe, floresta adentro. A devastação conta com o apoio de políticos locais, que pretendem terminar a estrada de 105 quilômetros entre Novo Airão e Manaus, sobretudo para o transporte de madeira.


Foto: Luiz Prado/AE

Com a estrada - e o provável aumento da extração da itaúba - Novo Airão pode repetir a história de Velho Airão, uma cidade mais próxima de Manaus, hoje quase abandonada. Velho Airão era a sede dos estaleiros há 40 anos atrás, mas a escassez de madeira e a necessidade de cais para barcos de maior calado fez com que sua população migrasse para Novo Airão. O prefeito desta, Wilson Pereira dos Santos, não acredita na decadência e quer trazer para a cidade uma escola de construção naval. Segundo ele, com a escola surgiria uma indústria bem montada, capaz de gerar 2 mil empregos. Mesmo os atuais estaleiros gerariam mais desenvolvimento, se não construíssem apenas os cascos, mas fabricassem também motores e fizessem o acabamento dos barcos. Os cascos representam apenas 20% do valor das embarcações.

Não seria a primeira escola naval da região. A itaúba já era utilizada pelos índios, na construção de canoas de um tronco só. Esta tradição ainda existe entre os 44 índios baniuas, que hoje vivem no vilarejo de Pai Raimundo, às margens do rio Demene. Mas a profissão de artífice e carpinteiro - e a consequente fabricação de embarcações com tábuas e vigas - foi introduzida pela missão salesiana, em 1914. Quando o ofício deixou de figurar no currículo da escola dos padres, a arte de construção de barcos passou a ser transmitida em família. O carpinteiro Alcebíades Rodrigues, 45 anos, aprendeu com o pai. Hoje, ao invés de ser empregado dos grandes estaleiros, prefere trabalhar por conta própria, fazendo canoas de 7 a 8 metros, em cada uma das quais gasta cerca de um mês de trabalho.

Nos estaleiros, os dois profissionais mais bem pagos são o carpinteiro e o mestre calafete, que tem a delicada tarefa de vedar todas as junções das tábuas do casco. Mesmo com bons salários, são apenas 150 empregados na construção naval. Os restante dos 7 mil habitantes da cidade vivem próximos do limite da miséria e dependem de caça e pesca para sobreviver. Uma situação que a prefeitura acredita poder reverter, apesar da escassez de madeira. "Poderíamos testar materiais alternativos, como a fibra de vidro e chapas de aço", acredita o prefeito. Não é a opinião dos pesquisadores da Expedição Demene. Conforme Renato Cabral, do Núcleo de Monitoramento Ambiental, CNPM, "é preciso encontrar alternativas para o desenvolvimento, aproveitando o potencial dos recursos naturais, sem depredar", defende. "Não adianta importar materiais de fora, sem competitividade".